sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Por quem os sinos dobram, Hemingway?

Mulheres republicanas que em 1936 resistiram ao
fascismo na Espanha: 
a guerra construiu o sujeito político do século XX
“Nos dois lugares tinha-se a impressão de uma cruzada. É o único termo que cabe bem, apesar de usado, abusado e gasto a ponto de haver perdido a verdadeira significação. Malgrado toda a burocracia, ineficiência e esterilidade da luta partidária, havia lá algo do sentimento que o jovem católico experimenta na primeira comunhão. Um sentimento de consagração a um dever para com todos os oprimidos do mundo, tão difícil de definir como o de uma experiência religiosa qualquer; e, no entanto, tão verdadeiro como o de quem ouve Bach, ou de quem penetra na catedral de Chartres ou de Léon e vê a luz entrando pelos vitrais; ou de quem para diante de um quadro de Mantegna, Greco ou Brueghel no museu do Prado. Era a integração da criatura numa fé profunda e num profundo sentimento de confraternidade entre todos do mesmo credo. Era algo jamais sentido antes e que, experimentado agora, adquiria uma importância suprema e diante da qual nada era a morte; a morte passava a ser evitada apenas porque poderia interferir com o cumprimento do dever. Vinha daí a capacidade para lutar.” (Por quem os sinos dobram, p. 218)

A Guerra Civil Espanhola (1936-1939) comemorou 80 anos na 4a feira. Da mesma forma que a Guerra do Vietnã, o conflito que culminou com a ascensão de Franco ao poder (de onde só sairia em 1975, quando morreu) tem a capacidade de reunir as contradições de sua época; um conflito síntese que opõe dois projetos antagônicos de construção da sociedade. Na Espanha, no entanto, encontraram-se as forças titânicas e primordiais que antecipavam a II Guerra, uma espécie de ensaio geral da destruição provocada pelo expansionismo alemão em confronto com a URSS e com o imperialismo europeu e americano. No final do  percurso que foi iniciado em 17 de agosto de 1936 e encerrado em Berlim em 1945, o saldo foi 45 milhões de mortos.

O conflito espanhol está entre aqueles acontecimentos sobre os quais as narrativas são intermináveis em muitas formas de expressão e em todos os gêneros, de tal forma que é difícil encontrar uma que o resuma em todas as suas nuances. Como eu acho que não dá para passar uma data dessas em branco - até porque, em sua essência, a polarização da Guerra Civil ainda está presente aqui mesmo no Brasil,  e porque, em termos de dimensões humanas, a ascensão do fascismo colocou o Homem em situações de limite, trago para o blog um texto encontrado na rede: Os sinos dobram por ti, Hemingway, postado no blog de Lucas Deschain em fevereiro de 2014. O autor, que me parece apaixonado pela literatura contemporânea, mas a respeito de quem não encontrei maiores informações, faz bela reflexão sobre uma das principais obras de Hemingway, (1899-1961) e procura identificar os traços de seu estilo - que ele próprio definia como "rústico" (hard-boiled, em inglês). 

Obra prima de H. Thomas
O rústico aqui, não é o mesmo que insensível, tal é a riqueza de sentimentos que afloram na carnificina da guerra, de que é prova o trecho acima (retirado da própria postagem de Deschain), marcado pela ambivalência espiritual que parece remeter o herói do livro aos extremos da existência. Se fosse possível escolher, eu diria que os extremos da existência resumem o que foi a Guerra Civil na Espanhola.


* A melhor obra que conheço sobre a Guerra Civil espanhola é o livro (em 2 volumes) de Hugh Thomas, um historiador inglês que se debruçou num imenso esforço de pesquisa sobre o conflito espanhol. A obra é de 1961, mas a edição que eu li foi a da Civilização Brasileira, de 1964.

* Oito filmes para compreender a Guerra Civil Espanhola (Outras Palaveras)

* E uma curiosidade: em 1936, mesmo ano das Olimpíadas de  Berlim, a cidade de Barcelona organizou jogos alternativos para desafiar Hitler. Leia aqui a matéria do Opera Mundi
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