quarta-feira, 20 de abril de 2016

A substância do crime

O deputado Jair Bolsonaro no momento em que fazia sua declaração de voto a favor do golpe contra a presidente Dilma Rousseff, sessão da Câmara Federal de 17 de abril de 2016

A substância do crime não advém apenas do fato de que ele tenha sido cometido; sua essência vem também do fato de que ele tenha sido desejado e que continue a sê-lo, mesmo depois de ter sido cometido. Essa me parece ser a lógica da psicopatia e de todo o conjunto de implicações que ela traz consigo, ainda que disfarçada de justificativa ideológica ou coisa que o valha. 

Foi essa substância que a sociedade brasileira não soube erradicar da sua vivência política quando caiu a ditadura; foi esse o resultado do espírito de conciliação que arrefeceu o impulso de mudar o Brasil, tirá-lo em definitivo das mãos das elites, dos empresários e dos conservadores de todos os tipos que viveram na sombra dos militares, inclusive com a conivência com o que se passava nos porões. Nem a Comissão da Verdade conseguiu passar essa história a limpo.

Na Argentina, no Chile, no Uruguai, na Espanha, em Portugal - para citar alguns países que viveram sob ditaduras cruéis e sanguinárias - é inimaginável que alguém venha a público louvar torturadores e espezinhar sobre suas vítimas. Embora nem todas as contas estejam acertadas com o passado, são sociedades que se orgulham de rejeitar a mancha que cobriu parte de sua história, e continuam fazendo o possível para apagá-la. No Brasil, infelizmente isso não acontece. 

Não é o afastamento de Dilma o que me incomoda; o que me incomoda é o constrangimento provocado pela forma como ele foi justificado e aprovado nesta etapa da Câmara: o recurso à pura substância do crime, mesmo por parte dos que não o praticaram. Não há ajuste fiscal para isso e o Sr. Temer, um epígono de última hora do que há de pior na política brasileira, é capaz de arrastar consigo, para o governo, essa ofensa que nos atinge e nos envergonha.

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